O que é língua paterna?
Em sua análise da história da língua francesa, o linguista Bernard Cerquiglini utiliza o termo língua paterna para descrever o resultado das políticas de normatização linguística em sociedades grafocêntricas, especialmente na Europa. Essa expressão destaca como as línguas são moldadas por intervenções que visam estabelecer uma norma considerada correta ou oficial.
Língua Paterna: Uma Herança Imposta? Desvendando o Conceito de Bernard Cerquiglini
O termo “língua materna” evoca sentimentos de afeto, aprendizado natural e uma conexão intrínseca com a identidade. Mas, e se a língua que falamos, a que consideramos nossa, fosse, em certa medida, um constructo? É aqui que o linguista Bernard Cerquiglini nos convida a uma reflexão instigante com o conceito de “língua paterna”.
Em sua análise da história da língua francesa, Cerquiglini utiliza “língua paterna” não como um sinônimo de língua materna, mas como um termo para descrever o resultado das políticas de normatização linguística. Ele argumenta que, especialmente em sociedades grafocêntricas (aquelas que valorizam a escrita como forma de legitimação e padronização da língua), a língua que aprendemos e utilizamos é, em grande parte, um produto de intervenções conscientes e intencionais.
A Imposição da Norma: Uma Paternidade Questionável
A ideia central por trás da “língua paterna” é que a língua considerada “correta” ou “oficial” não emerge espontaneamente, mas é construída e imposta através de mecanismos de poder. Esses mecanismos incluem:
- Gramáticas Normativas: Regras e padrões estabelecidos por academias de letras e linguistas, que definem o que é considerado “certo” e “errado” na língua.
- Dicionários Oficiais: Obras que legitimam o vocabulário considerado aceitável, muitas vezes marginalizando variações regionais ou dialetais.
- Sistemas Educacionais: A escola, como principal veículo de transmissão da língua “correta”, desempenha um papel crucial na disseminação da norma e na correção das variações consideradas “inadequadas”.
- Mídia e Cultura: A representação da língua em livros, jornais, televisão e outras mídias contribui para reforçar a norma e estigmatizar as variações.
Cerquiglini sugere que essa normatização cria uma “língua paterna” porque a língua que aprendemos é, em grande medida, a língua que nos é “transmitida” por uma figura de autoridade (o pai, a escola, as instituições). Essa transmissão não é neutra, mas carregada de valores e preconceitos que favorecem uma determinada variedade linguística em detrimento de outras.
Além da França: Implicações para o Português Brasileiro
O conceito de “língua paterna” não se limita à análise da história da língua francesa. Ele possui implicações importantes para a compreensão da língua portuguesa, especialmente no Brasil.
A história da língua portuguesa no Brasil é marcada por tensões entre a norma culta, originária de Portugal, e as variações regionais e sociais que se desenvolveram no país. A persistência de preconceitos linguísticos em relação a falantes de variedades não-padrão demonstra como a “língua paterna”, nesse caso, a norma culta importada, continua a exercer influência.
Desconstruindo a “Paternidade”: Uma Visão Mais Inclusiva da Língua
A reflexão proposta por Cerquiglini nos convida a questionar a noção de uma língua “pura” e “correta”. Ao reconhecermos a natureza construída da “língua paterna”, podemos adotar uma postura mais inclusiva e respeitosa em relação à diversidade linguística.
Entender que a língua é um organismo vivo, em constante transformação, e que todas as suas variações são legítimas formas de expressão, é fundamental para construir uma sociedade mais justa e democrática em relação à linguagem. Ao invés de impor uma “paternidade” linguística, podemos celebrar a riqueza e a pluralidade das diferentes vozes que compõem o mosaico da língua portuguesa.
Em resumo, a “língua paterna” de Cerquiglini nos oferece uma ferramenta valiosa para analisarmos criticamente as relações de poder que moldam a nossa maneira de falar e pensar. Ao desconstruirmos essa “paternidade” imposta, podemos finalmente abraçar a verdadeira diversidade linguística que enriquece a nossa identidade cultural.
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