Por que os surdos escrevem diferente?

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A escrita de surdos não oralizados reflete sua língua materna, a Libras. Visual e espacial, com estrutura gramatical própria, a Libras difere significativamente do português, influenciando a expressão escrita dos surdos que a utilizam como primeira língua.

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A escrita singular dos surdos: reflexo de uma língua visual-espacial

A percepção de que surdos escrevem “diferente” frequentemente surge de uma incompreensão sobre a relação entre a língua de sinais (Libras, no caso brasileiro) e a língua portuguesa. A diferença não se trata de erro gramatical, mas sim de um reflexo natural da aquisição e processamento linguístico em um contexto visual-espacial. Para entender essa peculiaridade, é fundamental reconhecer a Libras como uma língua completa e independente, com sua própria gramática, sintaxe e estrutura.

A Libras, ao contrário do português, é uma língua visual-espacial. Sua estrutura não se baseia na linearidade da fala, mas na organização espacial dos sinais, na expressão facial e corporal, e na simultaneidade de informações. Um único sinal na Libras pode carregar o significado de uma frase inteira em português, enquanto a ordem das palavras, crucial em português, pode ser bastante flexível na Libras.

Surdos que se comunicam em Libras desde a infância, os chamados surdos oralizados, internalizam essa estrutura linguística como língua materna. Sua forma de pensar e processar informações é moldada pela Libras, o que inevitavelmente se reflete em sua escrita em português. Essa influência se manifesta de diversas maneiras:

  • Ordens de palavras diferentes: A flexibilidade da ordem de palavras na Libras pode levar o surdo a escrever frases com estruturas não-padrão em português, mas que mantêm o sentido original em Libras. A priorização de um elemento da frase, por exemplo, pode ser expressa de forma diferente em cada língua.

  • Uso de sinais traduzidos: Muitos surdos, ao escreverem, utilizam traduções literais de conceitos ou expressões da Libras que não possuem equivalente direto no português. Isso pode resultar em frases um pouco desajeitadas, mas ricas em informações contextuais.

  • Uso de recursos visuais na escrita: A influência da modalidade visual da Libras pode levar o surdo a utilizar mais descrições, imagens mentais ou comparações na escrita, para complementar ou enriquecer a informação, algo menos comum na escrita de ouvintes que utilizam a língua portuguesa.

  • Dificuldades com pontuação e conectores: A simultaneidade da Libras, onde informações não-verbais como expressões faciais transmitem significado, pode dificultar o uso preciso de pontuação e conectores no português, que dependem da linearidade textual.

É importante ressaltar que essas diferenças não indicam incapacidade linguística. Pelo contrário, mostram a rica influência da Libras na cognição e na escrita dos surdos. Reconhecer essa influência é crucial para evitar julgamentos equivocados sobre a competência linguística desses indivíduos e promover uma abordagem inclusiva e respeitosa à diversidade linguística. A escrita de um surdo não oralizado não é “errada”, mas sim uma expressão genuína de sua língua materna, que se manifesta de forma singular e rica em sua escrita em português. A valorização dessa escrita, com seus aspectos únicos, é fundamental para promover a inclusão e o respeito à diversidade linguística.