Qual o objetivo da norma padrão de uma língua?

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A norma-padrão, associada à correção e prestígio linguístico, reflete a variedade utilizada pela classe dominante e a região de maior poder político. Essa imposição de uma variedade como superior, no entanto, obscurece a riqueza e a legitimidade de outras formas de expressão linguística presentes na sociedade.

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O Quebra-Cabeça da Norma-Padrão: Entre Prestigio e Exclusão

A norma-padrão da língua portuguesa, frequentemente associada à ideia de “correção” e “boa escrita”, é um tema complexo e muitas vezes mal compreendido. Mais do que simplesmente um conjunto de regras gramaticais, ela representa um fenômeno sociolinguístico carregado de implicações políticas e sociais. Afirmar seu objetivo com simplicidade, portanto, é uma tarefa árdua e que requer uma análise cuidadosa de seus aspectos intrínsecos e extrínsecos.

Em essência, o objetivo primário da norma-padrão não é descrever a língua em sua totalidade, mas sim estabelecer um código linguístico comum, facilitando a comunicação escrita e, em menor grau, a oral formal, em contextos amplos e diversificados. Esse código busca minimizar as barreiras de comunicação que surgem da diversidade regional e social inerente a qualquer língua viva e extensa como a portuguesa. Imagine a dificuldade de um contrato jurídico, um texto científico ou uma lei serem interpretados de maneira diversa dependendo da região ou do nível socioeconômico do leitor. A norma-padrão visa minimizar essa imprecisão, buscando uma uniformidade que garanta a clareza e a objetividade da mensagem.

Entretanto, atingir este objetivo de comunicação unificada vem acompanhado de consequências problemáticas. A norma-padrão, historicamente, é baseada na variedade linguística utilizada pela elite – frequentemente associada à região de maior poder político e econômico. Essa escolha histórica não é aleatória, mas sim resultado de um processo de imposição social e cultural. Ao se cristalizar um determinado padrão como o “correto”, outras variantes linguísticas, muitas vezes igualmente ricas e complexas, são marginalizadas e rotuladas como “erradas” ou “incorretas”. Isso leva à exclusão social e à perpetuação de desigualdades, pois o domínio da norma-padrão muitas vezes se torna um requisito para o acesso a oportunidades educacionais, profissionais e sociais.

O objetivo implícito, muitas vezes negligenciado, é, portanto, também a construção e manutenção de hierarquias sociais. O domínio da norma-padrão se torna um marcador de status social, conferindo prestígio e legitimidade a quem a domina e estigmatizando aqueles que não a utilizam. Esse processo obscurece a beleza e a complexidade da diversidade linguística presente no Brasil, desvalorizando as variantes regionais e socioletais que refletem a rica história e a pluralidade cultural do país.

Em suma, enquanto o objetivo declarado da norma-padrão é a promoção de uma comunicação clara e eficaz, a realidade demonstra que seu objetivo implícito, e talvez mais significativo, é a perpetuação de uma hierarquia linguística que reforça as desigualdades sociais. A compreensão desta dualidade é fundamental para uma discussão mais lúcida e justa sobre o papel da norma-padrão na sociedade brasileira e na construção de uma educação linguística mais inclusiva e equitativa.