Porque o surdo tem dificuldade em escrever?

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A escrita em português pode ser desafiadora para pessoas surdas por várias razões, incluindo a dependência da fonética, a possível aquisição tardia da linguagem e as diferenças estruturais entre Libras e português.

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Os Desafios da Escrita em Português para Surdos: Mais do que uma Questão de Audição

A crença de que a dificuldade de surdos com a escrita se resume à ausência de audição é uma simplificação excessiva e equivocada. A complexidade da escrita em português para essa população decorre de uma interação de fatores, que vão além da mera percepção sonora e envolvem aspectos linguísticos, pedagógicos e socioculturais.

Um dos principais obstáculos é a forte dependência da fonética da língua portuguesa. A alfabetização tradicional, focada em decodificar sons para letras, encontra-se em descompasso com a experiência linguística de muitos surdos que, desde cedo, se comunicam primariamente através da Libras (Língua Brasileira de Sinais). A Libras, como qualquer língua natural, possui sua própria estrutura gramatical, sintaxe e semântica, completamente distintas do português. A tentativa de traduzir diretamente a Libras para o português escrito, sem o devido entendimento da estrutura de cada língua, gera inúmeros erros de concordância, colocação pronominal e construção frasal.

A aquisição tardia da linguagem também desempenha um papel crucial. Muitos surdos têm acesso tardio à Libras, o que pode impactar negativamente no desenvolvimento cognitivo-linguístico. Se a Libras, sua língua natural, é adquirida tardiamente ou de forma fragmentada, a internalização da estrutura do português escrito se torna ainda mais difícil, comprometendo a construção de textos coerentes e gramaticalmente corretos. A falta de um bom domínio da Libras, antes mesmo da aprendizagem da escrita em português, pode gerar uma base linguística deficiente, afetando a performance em todas as áreas da linguagem.

Além disso, as diferenças estruturais entre Libras e português exigem um esforço cognitivo significativo para a aprendizagem da escrita. A Libras é uma língua visual-espacial, enquanto o português é uma língua linear e predominantemente auditiva. Conceitos expressos naturalmente na Libras por meio de expressões faciais, movimentos corporais e espacialização, precisam ser traduzidos para a escrita, exigindo uma compreensão profunda da gramática e do léxico do português, além de uma habilidade de abstração e tradução linguística que demanda tempo e prática intensiva.

Outro fator relevante é a metodologia de ensino. Métodos tradicionais de alfabetização, centrados na fonética e que ignoram a especificidade linguística dos surdos, podem ser ineficazes e até mesmo prejudiciais. A adoção de metodologias que valorizem a Libras como base para a aprendizagem do português escrito, explorando as relações entre as duas línguas, se mostra fundamental para o sucesso do processo de alfabetização de surdos.

Em conclusão, a dificuldade na escrita em português para surdos não é uma questão de incapacidade, mas sim uma consequência da complexa interação entre fatores linguísticos, pedagógicos e socioculturais. Uma abordagem inclusiva e sensível às necessidades específicas dessa população, que valorize a Libras e utilize metodologias adequadas, é crucial para garantir o desenvolvimento pleno das habilidades de escrita dos surdos e sua plena participação na sociedade.