Porque é que os portugueses não usam o gerúndio?

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No português de Portugal, o gerúndio, forma verbal que indica continuidade de uma ação, tornou-se menos comum. Apesar de sua origem no português arcaico, o idioma moderno prioriza o uso do infinitivo para expressar ideias semelhantes, substituindo o gerúndio em muitas situações onde ele seria utilizado no Brasil.

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A Despedida Silenciosa do Gerúndio em Portugal: Por que o “Andando”, “Fazendo” e “Comendo” Sumiram do Mapa?

Enquanto no Brasil o gerúndio reina absoluto, expressando ações em curso com a naturalidade de um samba, em Portugal ele parece ter feito as malas e partido, deixando um vazio preenchido pelo infinitivo. A pergunta que ecoa é: por que essa diferença tão marcante? O que levou os portugueses a gradualmente abandonar uma forma verbal outrora presente em seu próprio berço linguístico?

A resposta não reside em uma aversão repentina à ideia de continuidade, mas sim em uma convergência de fatores históricos, gramaticais e até mesmo de preferência estilística que moldaram o português europeu ao longo dos séculos.

O Peso da Tradição Clássica:

Uma das raízes dessa divergência reside na influência do latim clássico, que, diferentemente do latim vulgar que deu origem ao português brasileiro, exerceu uma força mais constante e duradoura sobre a norma culta em Portugal. A gramática tradicional portuguesa, por sua vez, sempre demonstrou uma certa predileção por construções mais concisas e, em muitos casos, pelo uso do infinitivo preposicionado para expressar a ideia de continuidade.

A Economia Linguística em Ação:

O português de Portugal, em geral, tende a ser mais “econômico” que o brasileiro, buscando formas mais diretas e sucintas de expressar as mesmas ideias. Substituir o gerúndio por “a + infinitivo” muitas vezes se encaixa nessa lógica, oferecendo uma alternativa mais curta e, para alguns, mais elegante. Observe a diferença:

  • Brasil: Estou comendo.
  • Portugal: Estou a comer.

A sutileza da diferença reside na economia: “a comer” é ligeiramente mais curto e, em certas situações, considerado mais formal.

Uma Questão de Estilo e Preferência:

Além dos fatores gramaticais e históricos, há também uma questão de estilo e preferência individual que influencia o uso do gerúndio em Portugal. Muitos falantes simplesmente consideram o infinitivo preposicionado mais natural e adequado ao seu registro linguístico. Essa preferência, transmitida de geração em geração, contribuiu para o declínio gradual do gerúndio no dia a dia.

A Norma Culta e a Influência da Mídia:

A norma culta portuguesa, historicamente, tem priorizado o uso do infinitivo, e essa preferência se reflete na mídia e na literatura. A exposição constante a essa norma reforça a ideia de que o infinitivo é a forma “correta” ou “mais adequada” para expressar a continuidade da ação, mesmo que o gerúndio seja perfeitamente compreensível.

O Gerúndio Resiste, Mas…

Apesar de sua diminuição no uso cotidiano, o gerúndio não desapareceu completamente do português de Portugal. Ele ainda pode ser encontrado em certos contextos, especialmente em textos mais formais ou técnicos, e é compreendido por todos os falantes. No entanto, sua frequência é significativamente menor em comparação com o Brasil, e seu uso muitas vezes soa arcaico ou afetado.

Em Conclusão:

A ausência relativa do gerúndio no português de Portugal não é um capricho linguístico, mas sim o resultado de uma complexa interação de fatores históricos, gramaticais e estilísticos. Enquanto no Brasil o gerúndio floresce como uma expressão vívida da ação em curso, em Portugal ele se retirou discretamente, deixando espaço para o infinitivo, mais alinhado com a tradição e a economia linguística do país. Essa divergência, longe de ser um problema, enriquece a diversidade e a beleza da língua portuguesa, mostrando como um mesmo idioma pode se adaptar e evoluir de maneiras distintas em diferentes contextos geográficos e culturais.