Por que a língua de sinais não é uma versão sinalizada da língua portuguesa?

7 visualizações

A Libras possui estrutura gramatical e léxico próprios, distintos da língua portuguesa. Não se trata de uma simples tradução sinalizada, mas de um sistema linguístico completo. Adaptar a sintaxe portuguesa à Libras prejudica a comunicação, gerando incompreensão. Utilizar a estrutura natural da Libras garante fluência e clareza na mensagem.

Feedback 0 curtidas

A Libras não é português com as mãos: desvendando a riqueza de uma língua independente

Frequentemente, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é erroneamente compreendida como uma mera transcrição visual da língua portuguesa. A imagem de alguém “traduzindo” o português para sinais, palavra por palavra, persiste no imaginário popular. No entanto, essa percepção simplificada ignora a complexidade e a riqueza da Libras como um sistema linguístico autônomo, com sua própria gramática, vocabulário e estrutura. Afirmar que a Libras é apenas uma versão sinalizada do português é um equívoco profundo que minimiza a importância desta língua e dificulta a sua plena valorização.

A principal diferença reside na estrutura gramatical. Enquanto o português utiliza uma ordem sujeito-verbo-objeto (SVO) predominantemente, a Libras apresenta uma flexibilidade sintática muito maior. A ordem das palavras pode variar significativamente sem alterar o sentido da frase, dependendo do contexto e da ênfase desejada. Um exemplo simples ilustra essa diferença: a frase “O cachorro comeu a comida” em português tem uma ordem fixa. Na Libras, a mesma ideia poderia ser expressa com diferentes ordens de sinais, alterando o foco da informação. A comida poderia ser sinalizada primeiro para enfatizar o que foi consumido, ou o cachorro, para destacar o agente da ação. Essa flexibilidade não é uma simples variação, mas um elemento estrutural fundamental da Libras.

Além da sintaxe, o léxico – o vocabulário – também difere significativamente. Muitos sinais não são traduções diretas de palavras portuguesas, mas expressam conceitos de forma visual e espacial, utilizando a configuração de mãos, a localização no espaço e o movimento. Imagine, por exemplo, o sinal para “computador”. Ele não representa a palavra “computador” em si, mas evoca a imagem e a função do objeto, utilizando, possivelmente, sinais que remetem ao teclado e à tela. A tradução literal de “computador” em Libras não apenas seria ineficaz, como também seria incompreensível para um falante nativo.

Adaptar a sintaxe e o léxico do português à Libras resulta em uma comunicação truncada e pouco natural. Forçar a estrutura de uma língua sobre outra não apenas prejudica a clareza da mensagem, como também demonstra falta de respeito pela riqueza e complexidade da Libras. A fluência e a compreensão plena só são alcançadas quando se utiliza a estrutura natural da língua de sinais, respeitando sua gramática e seu léxico próprios.

Em resumo, a Libras é uma língua completa e independente, com suas próprias regras e peculiaridades. Compará-la a uma simples tradução sinalizada do português é uma simplificação perigosa que obscurece sua beleza e sua importância. Reconhecer a Libras como uma língua com estrutura própria é fundamental para garantir a inclusão e a comunicação eficaz com a comunidade surda, promovendo o respeito à sua cultura e identidade linguística.